Entrevista – Thais dos Anjos
A entrevista desta vez é com Thais dos Anjos.
Alta e de black power , essa designer trabalhou na Plaboy e lançou uma adaptação em HQ do livro “Assim falava Zaratustra” de Nietzsche. No bairro Pirituba em SP ela cria seus desenhos que resultam em histórias normalmente sisudas. Nada de coisas fáceis, ela curte mesmo temas mais complexos, existênciais, que cutuquem nossa mente.
– Você estava de férias não é? É um período que você descansa ou desenha mais?
Sinceramente desenhei muito pouco. Meu ritmo de desenhar é diferente da maioria dos ilustradores. Tenho amigos, por exemplo, que enquanto estamos conversando logo pegam algum papel próximo e logo surge um personagem ou historinha (o que acho incrível).
Mas meu processo é diferente, prefiro a introversão, chega a ser quase uma timidez, rs, que inclusive foi um dos meus primeiros ou até o mais forte tabu que tive que ultrapassar na faculdade, o desenhar em conjunto. Não costumo desenhar em série, gosto de mastigar, remastigar, viver um pouco cada trabalho.
Principalmente nestas férias, acho que assumi uma postura diferente, a de observar muito mais através da fotografia.
– Conte-nos um pouco sobre você. Onde nasceu? Sempre gostou de desenhar?
Sou alta, meu cabelo é um black power…. haha, brincadeira. Bom, gosto muito de brincar e sorrir digo isso porque o engraçado é que meu trabalho não reflete nada desta personalidade. Gosto de temas pesados, ligados a conflitos pessoais ou existências, fatos e detalhes cotidianos.
Assuntos ligados à política, guerra ou história… já tentei há alguns anos, numa brincadeira com amigos, ilustrar algo cômico, e não foi nada fácil. Lembro que na época da faculdade (neste período produzia mais roteiros), quando trocávamos as histórias e ou roteiros, todo mundo se divertia, ria. Ao ler as minhas histórias resultava em silêncio, rs.
Não por não gostarem, pelo contrário todo mundo gostava e esperava para lê-las, porém, após a leitura ouvia, “nossa Tha, como você reparou nisto?” ou “nossa… ”. No início não entendia, achava que talvez eu era a estranha, rs, mas na verdade não. É difícil as pessoas relatarem fatos tão próximos á suas realidades ou se colocar em situação que fuja de sua área de conforto…
Nasci em São Paulo, capital. Moro num bairro desde que nasci chamado Pirituba, amo meu bairro. Apesar da avassaladora evolução imobiliária e automobilística, ainda possui um clima de vila onde conheço meus vizinhos e escuto passarinhos.
Sempre amei desenhar, mas acho que comecei a ter consciência de que estava desenhando aos 11 anos. Antes era apenas farra, fase boa, rs. Meu pai é artista plástico (grande culpado), e cresci entre tintas, esculturas e terebentina… tanto meu pai quanto minha mãe que é pedagoga, sempre incentivaram-me, dando papel, lápis de todas as cores, livros e muito amor, rs.
– A adaptação de “Assim falava Zaratustra” de Nietzsche foi um trabalho de Conclusão de Curso não é? Por que escolheu a adaptação de um livro filosófico aparentemente complexo?
Sim, esta HQ originou-se há 4 anos atrás (não façam as contas da minha idade por favor, haha). Inicialmente escolhi fazer uma HQ porque para mim, para se fazer uma história em quadrinhos você utilizará todas as linguagem visuais. Você precisa entender sobre cinema e animação, para ter uma ótima narrativa, “time” correto, enquadramento.
Desenhar e desenhar para conseguir profundidade, técnicas para luz e sombra, acabamento. Teatro, para saber expressar através do desenho cada sentimento, apreensão, emoção da história.
Design editorial para saber o melhor ritmo de leitura, letras… nossa muita coisa. Amo HQ, rs. A melhor forma para explorar o que havia aprendido na faculdade.
Aparentemente não… Nietzsche foi um ser incrível e extremamente controverso. Num simples parágrafo foi encontrará um monte de referências e uma carga conceitual quase que desumana para interpretá-la numa primeira leitura.
Fiquei fascinada quando li a primeira parte do livro “Assim falava Zaratustra”, indicado pelo meu orientador e grande amigo Luis Gê até então apenas para inspirar-me, o que resultou na adaptação completa.
Lady’s – Como foi conceber um filho desses? Houve muitas críticas?
A concepção inicialmente foi dolorosa. Tive que transpor o mais difícil e importante obstáculo, eu. Sério.
O texto era absurdo de complexo e quando decidi fazer a adaptação, foi uma jornada solitária, pois apesar de ter tinho graças a Deus muita ajuda, quanto a paciência de amigos e da minha família, e no processo de finalização em alguns momentos, tanto o texto quanto as ilustrações, projeto gráfico e letras fiz sozinha.
Então no começo foi delicado em certos momento achei que não seria capaz e neste ponto apareceram pessoas que tentaram me persuadir para que eu parasse o projeto. Tenho certeza que se não fosse o grande apoio dos meus pais e minha irmã teria parado. Deu para perceber que sou muito ligada à eles né? Hahaha.
Não recebi críticas, porque a maioria das pessoas duvidaram que eu conseguiria finalizá-lo ou até mesmo começar este assunto, uns disseram que eu era muito jovem outros que precisava amadurecer meu traço. Não que estas estavam erradas, mas acho que através desta HQ meu trabalho amadureceu muito. Não guardo mágoa e sim uma eterna gratidão, porque sem elas não teria o antes para mostrar e viver o depois. A superação. Adoro desafios.
– Você trabalha como designer na Playboy. Como é trabalhar em uma revista para o público masculino? Você vê alguma ligação/influência na suas ilustrações com seu trabalho lá?
Eu amo trabalhar na Playboy. Meus amigos no começo sempre faziam piadas como, “agora tá gostando de mulher hein? Você já gostava de quadrinhos.”, haha. Não gente, eu não gosto de mulher. hahaha.
Desde de pequena sempre fui mais interessada em “assuntos masculinos” como futebol (não que agora eu seja expert no assunto, rs), fiz judô, lia quadrinhos, bolinha de gude, rs, fiz também ballet, coral… não parava.
Em nada, isto influênciou minha preferência sexual, sou hétera e fico abismada quando alguns pais querem separar assuntos entre meninos e meninas. Nossa sociedade infelizmente é assim, e já está intrínseco em nossa cultura, azul – menino, rosa – menina, histórias em quadrinhos – menino, boneca – menina. Complicado. Mas na minha casa nunca foi assim, sempre pude escolher, tudo foi um processo natural.
Quando surgiu a possibilidade de trabalhar na Playboy, foi incrível, confesso que nunca havia lido uma antes, porque para mim a revista só tinha fotos de mulheres peladas e pornografia, e foi aí que me surpreendi.
Existe seus momentos machistas, normal, assim como em qualquer revista feminina possue seus intervalos feministas. Mas na Playboy me divirto muito, abordamos vários assuntos, não só ligados a sexo ou a mulheres, tudo é muito cool e interessante. Tenho certeza que se mais mulheres lessem a Playboy, adorariam.
Quanto a influência, existe sim, mais na questão do design e no projeto gráfico, não no traço em si.
– Qual material usa para fazer seus desenhos?
Nanquim, aquarela, lápis integral… depende do trabalho, mas sou apaixonada por aquarela e tudo que for aguado, rs, por exemplo nesta HQ usei café em quase todas as páginas.
– Pretende fazer mais alguma adaptação? Está fazendo algum trabalho atualmente?
Sim, pretendo fazer outras adaptações, preciso pesquisar, conversar… vamos ver. Mas agora estou focando neste filho recém nascido que tenho certeza precisa aprender a falar e caminhar sozinho, rs.
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