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26 de set. de 2011

slow

O hip-hop cubano na visão de Slow da BF



Slow no Rotilla FestivalSlow no Festival Romerias de MayoSlow gravando no Real 70Slow e David ´Omni`Slow e Charles Mutcha RimaSlow e Aldo ´Los Aldenos`Graffiti de Lazaro YairanGraffiti de Lazaro Yairan






















Slow da BF esteve na ilha dos Castros duas vezes em menos de 1 ano. A primeira vez foi agosto de 2010 no Rotilla Festival onde se apresentou com a banda Antizona e com Lica Tito. A segunda vez foi em maio de 2011 no festival Romerias de Maio, em Holguín e também como convidado da produtora cultural Matraka, para assistir a terceira edição da premiaçãoPuños Arriba, em Havana.

Após o polêmico documentário produzido pelo jornal Extra, resolvi aprofundar mais o tema com esta entrevista. Nela, Slow cita artistas, estúdios, crews, fala do grafitti e diz que o MC paulista Kamau é conhecido por lá e mais. Confere aí o que ele tem a dizer sobre o cenário atual em Cuba.

Central Hip-Hop (CHH): Slow, fale um pouco sobre o cenário hip-hop que você teve contato em Cuba. Que artistas (MCs) você mais se indentificou?

Slow: Acho que o cenário cubano é o mais frutífero da América, pois além da clara qualidade e da vocação musical dos cubanos, existe uma série de fatores adversos que pela lógica, dificultariam o processo artístico, mas isso não ocorre.

Mesmo com todo o véu de proibição que existe em várias camadas de representatividade, seja de classe ou de condição política, o MC cubano escreve sobre toda essa problemática e de forma poética (mesmo sendo firme) consegue ainda colocar nas letras o humor, deboche e a raiva necessária que se precisa ter para dizer certas coisas.

No graffiti a coisa fica ainda mais difícil. Os caras não tem acesso a latas de spray e passam por um processo de censura, que aqui não é nem pensado como real, mas que lá na ilha é real. Estou falando da pressão ideológica exercida pela polícia e pelos poderes estabelecidos.

Além de serem muitas vezes vigiados enquanto pintam é necessário dizer o motivo da pintura e por mais ridículo que pareça, eles querem que o grafiteiro diga o que ele quer dizer com aquela pintura, ou seja, existe uma patrulha ideológica pairando feito abutre na coisa que deveria ser mais livre no mundo: a expressão artística. Então posso dizer que o graffiti em Cuba é o melhor do mundo também.

Quanto ao break e ao DJ, o mesmo problema se observa. Não existem as famosas MK2 na ilha. Como o DJ vai ser DJ sem os toca-discos? E o vinil também não é fácil de ter.

O B.Boy não tem muito acesso ao que existe de novo na dança, pois a internet é ínfima, quase inexistente. E até DVDs são raros. Então o cara dança quase que por extinto. Podemos dizer que eles são os melhores do mundo também.

Em Cuba tive contato com os MCs da banca Real 70 e dentre eles os que eu mais me identifiquei foram dois: El B (pelo freestyle do cara que é impressionante) e o Charles Mucha Rima que é de longe o melhor flow da ilha. Gosto muito da dupla Obsession (MC Magia e Alexei) e das Las Krudas.

CHH: Quais temas são abordados por estes MCs? Como estes artistas lidam com a censura?

Slow: Alguns MCs escrevem muito sobre a censura e a falta de liberdade de uma forma bem direta, como o Esquadrón Patriota e os Los Aldeanos. Outros conseguem escrever sobre a mesma coisa usando metáforas. E outros não falam muito sobre este assunto.

É bem diversificado. Somente em Cuba eu vi o rap dividido em governamental e não governamental. Isso faz toda a diferença ao escrever e se portar. Os que não são da Agência Cubana de Rap escrevem mais coisas relacionadas com o bloqueio e com a fome por exemplo, enquanto do outro lado não.

CHH: Fale sobre o Real 70 e a música "Ponha a mão pra cima".

Slow: O Real 70 é um grupo de artistas que levam a sério o ideal do Hip Hop e os caras são unidos e produzem muitas coisas, basicamente mais da metade de tudo de bom que foi e é feito na ilha, com poucos recursos tecnológicos, mas com muita disposição.

A música “Ponha a mão pra cima” foi uma união de MCs do Brasil e de Cuba junto com dois DJs, um brasileiro e um da Espanha. Foi gravada no Real 70 que é a casa do produtor Papa Humbertico (Mano Armada) na Rua Real número 70, daí o nome da crew. Foi um som feito na madrugada e masterizado aqui no Brasil pelo Fábio Broa, na RZN (Méier).

CHH: De que forma o rap underground distribui suas produções dentro da ilha e como eles se conectam com o mundo?

Slow: Os cubanos dependem muito da visita ou do contato do mundo de fora da ilha para se divulgarem e até para exportar seus produtos culturais. Dentro da ilha é muito difícil e tudo é feito artesanalmente e distribuído de mão em mão. Pra sair da ilha é difícil, não é fácil.

Além da falta de grana, tem o problema político. Um exemplo ocorreu com o MC El B que foi duas vezes ganhador de uma batalha de MCs patrocinada por uma marca de energéticos famosa.

Ele não pode defender o seu país, pois o governo não autorizou ou não facilitou a saída do MC. Conclusão, ele não viajou. Alguns grupos como os Los Aldeanos e Mano Armada hoje já conseguem saem do país. Estes já se apresentaram na Venezuela, México, Colômbia e Estados Unidos. O grupo Obsession cantou em Nova York, no Teatro Apollo. A maioria consegue entregar suas produções para os turistas postarem na internet no mundo todo e assim ficam mais conhecidos. Eu mesmo trouxe muita coisa de lá.

CHH: O que é o Puños Arriba e o que ele significa para este novo hip-hop cubano?

Slow: É uma premiação do rap Cubano que já aconteceu três vezes no Teatro América, no centro de Havana. É impressionante e muito criativo, pois as premiações são inusitadas: melhor capa de cd, melhor introdução, melhor participação, melhor música de tema social e por aí vai. Talvez seja a grande chance de divulgação e de reconhecimento do rap na ilha toda. A policia chega em peso. A imprensa parece não saber e por isso não divulga. Nós fomos os primeiros estrangeiros lá.

CHH: Fale mais sobre o graffiti Cubano e sobre os artistas brasileiros que já passaram por lá.

Slow: Em Cuba existe graffiti. E é muito forte o papel dos muralistas. Achei muito criativo o que eles fazem, mesmo com poucos recursos. Conheci um grafiteiro lá da 5 Star Crew que pinta muito bem, mas não tem spray. Ele tem que pintar somente com pincel, brocha, rolinho e até canetinha. OsGemeos, Vitché e Nina já estiveram lá com o projeto CubaBrasil. Outros brasileiros talvez estiveram, mas não to ligado.

CHH: Em sua opinião, como o hip-hop brasileiro é visto pelos MCs cubanos? O que eles conhecem? Como seria a recepção destes artistas aqui no Brasil?

Slow: Os cubanos que troquei ideia não conhecem muito do rap do Brasil. Deixamos lá uma grande quantidade de rap brazuca. O Papá Humbertico falou que conhecia o som do Kamau de São Paulo. O Xis de sampa já esteve lá e gravou com uns caras e tal e agora nós. O Flávio Renegado também passou por lá em 2010. Eles seriam muito bem vindos aqui no Brasil, por que os brasileiros no geral também não conhecem o rap de lá. Seria interessante ver esses caras do Real 70 aqui.

CHH: Que imagem os MCs tem do Brasil?

Slow: Eles amam o Lula. Todos com quem falei acham até que ele "aperta um" (risos). O cara “é o cara” lá na ilha. Ouvi muito sobre como os dois países se parecem e são como irmãos, filhos da áfrica, mas de dois hemisférios diferentes. Como os cubanos não curtem muito os Estados Unidos, somos vistos como a potência da América.

Não entendem muito de futebol, pois lá só rola mesmo o baseball, mas sabem que somos os melhores do mundo (?).

Acham a Dilma uma mulher forte, e que segundo eles, ela vai continuar o trampo do Lula. Falam muito das nossas mulheres e ficaram surpresos quando tocamos hardcore com rap. Os nossos números assustam um pouco os caras: tiragem de jornal, número de cidades e outras coisas.

Ah! Eles amam as novelas brasileiras acima de tudo. É uma febre total. Eles aprendem muitas músicas brasileiras através das novelas e nem sabem que o conceito novela veio de lá (mas isso é outra historia).

Tem um som do Mano Armada chamado “Que Bolá” que diz: "(...) como Lula da Silva la suya politica mi condicion de artistica es empirica (...)". Isso mostra bem o respeito que eles tem por Lula e pelo Brasil no geral. Com os cubanos que falei, ficou clara a alegria que eles tem ao saber da nossa liberdade aqui como artista.

Lá também tem umas coisas bem ruins musicalmente falando, mas que como aqui são extremamente populares. Assim como aqui no Brasil, em Cuba encontrei um povo que sofre, mas ri. Eles sofrem, sorriem, não se rendem e tem estudo.

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[+] Saiba mais sobre o Rotilla Festival (em espanhol)
[+] Assista ao documentário “Conexão Hip-Hop Cuba/Brasil”, dirigido por Pedro Serra

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*Slow da BF é MC, membro Zulu Nation, integrante do grupo Esquadrão Zona Norte, curador da Liga dos MCs (nível nacional e no Rio de Janeiro), vencedor do prêmio Hutus como melhor MC de batalha do Brasil (2003) e duas vezes o prêmio de melhor MC de batalha do Rio (Rap Festival, 2004 e 2005) e parceiro da banda de Antizona.

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