Quase um Roteiro
A voz em off recita devagar e pausada:
(sobre uma fotografia de guerra):
uma gota de sangue.
uma palavra.
uma imagem destruída.
Uma gota de sangue.
o circo tocava uma música engraçada
as crianças riam muito e alto
a moca do trapézio era muito bela
e tinha a tez negra como uma escultura de Benin
o avo já bem senil
espiava por trás das vidraças
o desenrolar dos acontecimentos inúteis
enquanto remoia as horas
esperando o seu triste fim
e falava com o nada sobre Pancho Villa
e a revolução mexicana onde ele nunca teve
que horas são ?- perguntou o juiz da toga vermelha
o condenado respondeu: faltam duas horas
para a cadeira elétrica
e aí estarei finalmente livre de todos vocês
o sangue coagulou-se no lugar
onde varou a bala perdida
a tela da tv mostrou-se como uma janela
o americano deposita a terrível bomba mortal
na entrada da porta principal
onde dorme um morcego muito antigo
que horas são ?- perguntou a moca
meu pai e a minha mãe estão mortos
mas as crianças não pararam de rir
do palhaço gaiato dos imensos sapatos vermelhos
o presidente não tinha um dos dedos
o carro brilhante parecia voar
na parede do quarto ficou o furo da bala
e o tigre de bengala adormeceu na sala
depois de devorar toda a família
uma gota de sangue
urubus nos telhados e nas roças
mas nenhuma palavra
o terrorista explodiu quando ainda montava a bomba
que depositaria no vagão 3 do metrô em Londres
que horas são, meu amor ?
é tarde e já vou indo, chau!!!
ele desce a escada em caracol
vai assobiando uma musiquinha inventada na hora
atravessa de repente com um gato preto
- à noite todos os gatos são pardos - diz para o gato
antes da porta da saída do prédio
encontra o velho bêbado
- é o que lhe digo, meu jovem amigo:
esses americanos são uns filhos da puta!
viva a Rússia, diz o bêbado
o velho comunista fora do tempo lhe oferece
a garrafa de vodka:
- veio das estepes, da boa, legítima camponesa!
- não bebo vodka, meu negócio é cachaça, maconha e buceta!!!
- então viva a cachaça, a maconha, a buceta e viva a perestroika da Stanislawiska!
o velho bêbado senta-se no último degrau da escada
ele passa praticamente por cima do velho
abre a porta da saída
lá fora chove torrencialmente.
- porra, que merda é essa ?!...
pensa em voltar para o apartamento da puta marilyn.
olha para o velho bêbado caído no caminho.
o velho nadava emborcado em seu próprio vômito
- cheiro ácido de vodka azeda e bílis.
Sentiu nojo.
levanta a gola do casaco e sai pela chuva.
se pode ouvir no meio da sinfonia da tempestade
as risadas das crianças para o palhaço engraçado
e três tiros disparados não se sabe de onde.
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